28 de jan. de 2011

Ensinamentos de Trane

“Escute cinco vezes, Cecilia. Escute-a instrumento por instrumento. Bote para tocar e escute só o contrabaixo. Ouça de novo, só o saxofone. Não ouça só uma vez e tende dar uma opinião”.

John Coltrane para Cecilia Foster, prima do baterista Elvin Jones, do lendário quarteto de Trane, e esposa de Frank Foster.

Trecho do livro A Love Supreme, A criação do álbum clássico de John Coltrane, de Ashley Kahn, da Editora Barracuda.

21 de jan. de 2011

Apertando o play do tape deck

Era o tempo das fitas cassetes personalizadas. Os encartes das caixinhas das TDK, Sony, Philips e as emboloradas Basf recebiam cargas de canetinhas coloridas para ilustrar  nomes do artista e das músicas que compunham o álbum ou a coletânea. Muitas vezes, a arte acontecia paralelamente à gravação da K7.

Os CDs surgiam aos poucos, principalmente trazidos por conhecidos agilizados (ou conhecidos dos conhecidos), que voltavam de viagens internacionais. Enquanto isto, no Brasil, as indústrias fonográfica e de eletroeletrônicos compactuavam e colocavam em prática a diabólica missão de assassinar os LPs. Quase não havia computadores e celulares na praça. A internet então, nem se fala, estava muito distante da nossa realidade.

Nesta época, Aldo Manhães, amigo sempre antenado às novidades visuais e sonoras do mundo, jogou na mão a cópia do G. Love & Special Sauce, lançado pela Epic, em 1994. Os primeiros acordes de "The Things That I Used to Do" logo despertou aquela sensação gostosa de curiosidade, de buscar referências na memória auditiva.

A cada canção, o estilo folk, incrementado pela levada cadenciada do bandleader G. Love, ganhava nova roupagem. Mas sem perder sua origem, suas características. Riffs de guitarra, suingue de baixo, quebradeiras de bateria e solos de gaita vão costurando as linhas sônicas do disco homônimo. "Blues Music", "Garbage Man", "Baby´s Got Sauce", "Fat Man" e outras que ocupavam quase toda a Sony de 60 minutos faziam (e ainda fazem) a cabeça via walkman até esgotar-se a energia do par de pilhas AA.

Hoje o CD perdeu seu reinado para os arquivos em MP3. O vinil ressurge com certo ar cult e a preços nada convencionais. Porém, chegar em casa, pegar a caixa de fitas, separar a do G.Love & Special Sauce e rolar no tape deck é tão prazeroso quanto encontrar os verdadeiros e eternos amigos.

Dedicado aos de longa data: Daniel “Piu”, irmãos Kirk (Pedro, Paulo, Roberto e Hélio), Cláudio “Para”, Luis Naka, irmãos Manhães (Aldo e Beto), Felipe “Pipo” e Gerson “Negão”, entre outros.

19 de jan. de 2011

O legado revolucionário de Kuti


Fela Anikulapo Kuti trilhou sua carreira musical em meio às questões políticas, que culminavam na valorização da cultura africana, em especial a do norte. As palavras e as atitudes deste nigeriano conficto proporcionou reflexões mundo afora sobre a equação capitalista na qual os ricos exploram os pobres (relação coroa-colônia). Fela era irreverente, multi-instrumentista e revolucionário. Se foi em 1997.

Para amarelar o sorriso dos barões que o tentaram calar, a inquietude social e sônica de FK segue via os grupos influenciados pelo afrobeat. Orchestra Antibalas e Chicago Afrobeat Project são exemplos respeitáveis. Porém, seu legado é transmitido de maneira ainda mais intensa por meio de seus dois filhos, Femi e Seun.

O mais velho, Femi, tem sua trajetória sólida na fusão de jazz, funk e ritmos nigerianos. Suas apresentações são memoráveis e repletas de energia. Agora, Seun, vinte anos mais novo, parece incorporar a lendária figura do pai, que veio a falecer quando o garoto completava seus quatorze anos. Neste concerto realizado em Dakar, em 2005, Seun compartilha o palco com a banda Egypt 80, o saxofonista Manu Dibango e o baterista Tony Allen. O evento foi  idealizado para reforçar a luta contra a malária, doença aliada da probreza africana desde os ancestrais dos Kuti.

18 de jan. de 2011

James Brown e a trilha das ruas

Décadas de 1960 e 1970. A cidade da Nova Iorque está longe de ser a meca do glamour. O racismo é latente dos bairros periféricos, como Harlem, Bronx e Brooklyn, à central Manhattan. A criminalidade e a corrupção policial ditam as regras da ilha.

Esta realidade gangster é o pano de fundo do Black Caesar, de 1973. O filme de Larry Cohen, remake de Little Caesar, de 1931, traz a ascensão e queda do personagem Tommy Gibbs, um negro de fino trato que entrou na escola da máfia nova iorquina, estagiou na prisão e se formou como o dono do pedaço.


Entre tiroteios, socos, acertos criminosos e as demais características da marcante cena Blaxpoitation - linha cinematográfica referenciada por Quentin Tarantino -, o suingue pesado de James Brown dá o tom sônico do começo ao fim do longametragem. Esta empreitada do Godfather of Soul conta com Fred Wesley, trombonista e líder da banda JB´s, fazendo sua estréia na trilha desta obra audivisual.

A potente "Down and out in New York City", sampleada por muitos rappers, conduz  a introdução de Black Caesar. A seguir, entram "Blind Man Can´t See It", "Sportin´ Life", "Darty Harri""The Boss" e por aí vai. Em meio ao vocal inconfundível de James Brown, surge "Mama Fellgood" com a voz de Lynn Collins em primeiro plano.

Se as imagens ficaram datadas e o figurino perdeu o estilo pelas marcas brasileiras que apenas copiam os "gringos", a música atemporal cai bem nas caixas de som e nos fones de ouvido da rapiziada ligada ao funk e à música.

12 de jan. de 2011

Ensaio de carnaval


Nos tempos em que o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é fatiado como abacaxi em cotas de patrocínio pela patota do baiano todo-poderoso, vale resgatar um punhado da magia que foi o carnaval de outrem.

Em setembro de 1991, a Velha Guarda da Portela desfilava seu repertório rítmico e poético no programa Ensaio, da TV Cultura. Monarco, Argemiro, Dona Doca  e cia. fizeram uma roda de batucada a encher os olhos, os ouvidos e a alma de quem aprecia a música popular brasileira oriunda dos morros cariocas.

10 de jan. de 2011

Tardezinha na vila


Quando e onde a vida tem história - SP 2010

Um tom, um punhado de canto

mãos acertam couro de tambores

passos marcados arranham a terra batida

poeira que tempera a garganta.


Ecoam as palmas em ritmo

criançada brinca a ciranda.

(Rodrigo Ventura)








Texto publicado originalmente no http://amargem.blog.terra.com.br/


7 de jan. de 2011

O Grito


Capa remete aos fanzines fotocopiados ou mimiografados, comum à época.
Capa remete aos fanzines fotocopiados
ou mimiografados, comuns à época.
Início de mil novecentos e oitenta. O Brasil acaba de sair de uma ditadura militar que, definitivamente faliu, o Estado e suas instituições. Com a ruína das patentes (em termos), se desmascarava uma realidade latente, principalmente nos grandes centros urbanos. Enquanto acontecia o fortalecimento e a politização dos sindicatos, jovens das classes menos favorecidas juntaram-se para protestar contra a falta de expectativa e a alienação social.  

Influenciados pelo movimento punk inglês, grupos musicais começaram a aflorar em terra brasilis. Basicamente, o discurso afiado era somado à guitarra e ao baixo tocados de forma distorcida, além de uma bateria de pegada acelerada. Um dos primeiros e mais importantes registros dessa ruptura sonora é o LP Grito Suburbano,
lançado pelo selo Punk Rock Discos, em mil novecentos e oitenta e dois. O álbum apresenta três referências para quem acredita que a música também é um importante meio de informação, como o cinema e a literatura, entre outras expressões artísticas.

Olho Seco, Cólera e Inocentes intercalam-se nas vinte e sete faixas. Todas, sem exceção, transmitindo atitude - não confunda com essa que dita a moda e o comportamento da classe média. Em cada música, a parte instrumental funciona como um estopim contínuo para receber as frases curtas e diretas, sem papas na língua e sem a frescura do tal academicismo esquerdista.


Não há como escolher os destaques do álbum, pois o nível das três bandas paulistas em ação, tanto no estúdio como no palco, impressiona. “Sinto” (Olho Seco), “Gritar” (Cólera) e “Miséria e Fome” (Inocentes), por exemplo, soam como um soco na boca (no bom sentido) dos que se enveredam no sistema capitalista.

Passaram-se quase três décadas. A sonoridade punk perde sua força. O nosso extenso país se mantém afundado nas injustiças sociais, mesmo com os tais sindicalistas tornando-se políticos, galgando cargos públicos de alto escalão, inclusive a Presidência da República.

O cabelo moicano passa a ser a coroa das celebridades. Porém, o conteúdo gerado pelos grupos contemporâneos ao lançamento de Grito Suburbano continua a alimentar as mentes pensantes mundo afora.


Publicado originalmente no http://amargem.blog.terra.com.br/

5 de jan. de 2011

Na estrada da tecnologia sonora

Aero Dynamik - Live at MTV Europe Music Awards 2003

Nada como passar as comemorações de fim de ano de maneira tranquila, sem enfrentar as estradas congestionadas que levam aos lugares mais lotados possíveis. A única rodovia a entrar de cabeça e ouvidos foi a pavimentada pelo Kraftwerk. O quarteto germânico aficionado por ciclismo e tecnologia realmente nos transporta às novas dimensões sônicas e imagéticas.

Os sons sintetizados pelo grupo não ficaram estacionados na nostálgica década de 1970, período no qual o conceito de cibernético paira sobre as cabeças pensantes. Do inquieto David Bowie ao estelar George Lucas, a produção cultural da época foi ditada pelo futurismo minimalista do "apertar botões". Mas poucos seguiram por esta via tão bem e de forma atemporal como o Kraftwerk.

Sem a preocupação da longa discografia, eles agregaram e experimentaram as mais diversas tecnologias avançadas, gerando músicas, figurinos e cenários que deixam qualquer moderninho da era digital a quilômetros de distância.

The Catalogue, coleção com 8 volumes em CD do Kraftwerk.
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